segunda-feira, 28 de outubro de 2013

INQUISIÇÃO

"A bula de 23 de Maio de 1536 autorizava os réus para nomearem os seus procuradores e advogados como entendessem. Esta livre escolha podia trazer sérios embaraços. Podia uma voz eloquente fazer soar na capital a negra história de tantas atrocidades.
A Inquisição qualificou para litigarem perante ela apenas dois ou três advogados dos mais obscuros. Aos réus não era lícito escolher senão um deles.
Ajuramentados pelos inquisidores para não ultrapassarem nas defesas as metas que lhes eram prescritas, esses homens, colocados entre morrerem de fome por inábeis na sua profissão e enriquecerem à custa dos seus clientes forçados, que não sabiam nem lhes importava salvar, reduziam as suas alegações a uma pura formalidade, a um vão simulacro de defesa. Não havia assim para o réu outra esperança senão pedir misericórdia. Mas qual era a condição para a obter? Era confessar; confessar tudo quanto se achasse contido no libelo de acusação, embora fosse contraditório, absurdo, impossível.
Restava, porém, saber se na súplica de perdão guardava pontualmente o formulário prescrito; restava calcular se o arrependimento vinha dos lábios ou do coração. A quantidade das lágrimas do suplicante pesava-se na balança moral dos inquisidores, e aquele que tinha o coração assaz de homem para as não verter pagava caro o ter os olhos enxutos no momento solene.
Reduzia-se tudo, em suma, a ficar a sorte dos culpados só dependente do arbítrio dos seus julgadores. Era a jurisprudência, a doutrina prática, a organização completa e irresistível do assassínio legal."

in História de Portugal