domingo, 16 de fevereiro de 2014

D. MIGUEL - UM ESBOÇO BIOGRÁFICO

por Marisa Maia
 Querido por uns, odiado por outros, D. Miguel constitui figura marcante de um dos mais críticos períodos da História portuguesa, soberano efémero de um tempo que não era o seu. Filho de D. João VI de Portugal e da rainha D. Carlota Joaquina, nasceu em Queluz, em 26 de Outubro de 1802. 
Devido às Invasões Francesas, partiu com a corte para o Brasil em 1807, onde foi educado pelo Visconde de Santarém. 
Com a vitória sobre os Franceses e na sequência da Revolução liberal, o rei decidiu regressar ao pais, tendo chegado a Lisboa em Julho de 1821. 
D. Miguel tinha então 19 anos. 
Uma vez que o rei jurara a Carta Constitucional, os dirigentes do movimento absolutista verificaram desde logo que só através da rainha e do infante D. Miguel, que também defendiam o Absolutismo, poderiam pensar ter algum apoio para a sua causa, uma vez que o rei, praticava uma governação equilibrada, sem demonstrar pretender ir contra o movimento liberal.
 A Vilafrancada 
 Os liberais por não estarem unidos e devido a algumas medidas tomadas contra a nobreza e o clero, bem como a independência do Brasil, precipitaram o pais num clima de instabilidade que provocou muito descontentamento. Por tudo isto foi fácil aos absolutistas pegar em armas e proclamar a restauração do Absolutismo, em Vila Franca de Xira. Foi a Vilafrancada em 27 de Maio de 1823. 
Na proclamação de D. Miguel, que a seguir se transcreve, podem encontrar-se todos os motivos que o levavam a assumir a liderança do movimento: o rei ultrajado, transformado num «fantasma» sem poder efectivo, os membros da nobreza e clero atacados nos seus direitos e regalias, etc. "A força dos males nacionais, já sem limites, não me deixou escolher: a honra não me permitiu ver por mais tempo em vergonhosa inércia a majestade real, ultrajada e feita ludíbrio dos facciosos, todas as classes da nação com diabólico estudo deprimidas, e todos nós o desprezo da Europa e do mundo, por um sofrimento que passaria a cobardia; e em lugar dos primitivos direitos nacionais que vos prometeram recobrar em 24 de Agosto de 1820, deram-vos a sua ruína, o rei reduzido a um mero fantasma; a magistratura diáriamente despojada e ultrajada; a nobreza, à qual se agregaram sucessivamente os cidadãos beneméritos e à qual deveis vossa glória nas terras de África e nos mares da Ásia, reduzida ao abatimento, despojada do lustre que outrora obtivera do reconhecimento real; a religião e seus ministros objecto de mofa e escárnio. Que é uma nação quando sofre ver-se assim aviltada?
 Eia, portugueses, uma mais longa prudência seria infâmia. Já os generosos transmontanos nos precederam na luta; vinde juntar-vos ao estandarte real que levo em minhas mãos; libertemos o rei e Sua Majestade livre dê uma Constituição a seus povos; fiemo-nos em seus paternais sentimentos; e ela será tão alheia do despotismo como da licença; assim reconciliará a nação consigo mesmo e com a Europa civilizada. 
 Acho-me no meio de valentes e briosos portugueses, decididos como eu a morrer ou a restituir Sua Majestade à sua liberdade e autoridade, e a todas as classes seus direitos. 
Não hesiteis, eclesiásticos e cidadãos de todas as classes, vinde auxiliar a causa da religião, da realeza e de vós todos: e juremos não tornar a beijar a real mão senão depois de Sua Majestade estar restituído à sua autoridade. Não acrediteis que queremos restaurar o despotismo, operar reacções ou tomar vinganças; juremos pela religião e pela honra que só queremos a união de todos os portugueses e um total esquecimento das opiniões passadas." Informado pelos seus conselheiros do que se estava a passar, D. João VI foi ter com seu filho e embora submetendo-o à sua autoridade, fá-lo comandante do exército, restitui os poderes retirados à rainha, manda libertar os presos políticos e nomeia outro governo.
 O entusiasmo provocado por estas medidas foi tão grande entre os absolutistas e a população descontente que ao chegar a Lisboa o coche real, foi abordado por cerca de 40 militares que desatrelaram os cavalos e puxaram eles mesmo o coche. Um jornal da época, a Gazeta de Lisboa, publicou até uma lista com os seus nomes. 
Dias mais tarde foi publicado no mesmo jornal, um anúncio anedótico em que se indicava que «... no dia 24 do corrente mês se há-de arrematar em hasta pública umas parelhas de bestas que puxaram o carrinho de el-rei quando mudou de bestas a Arroios.».
 Esse número do jornal foi retirado da circulação e o seu redactor demitido, mas a partir de então os ultra realistas foram denominados de burros, pelos liberais.
 A Abrilada 
 No entanto o rei não tomava o partido dos absolutistas e assim sucederam-se as tentativas para o depor. 
A primeira, em 26 de Outubro de 1823, segundo um plano da rainha, pretendia depor D. João VI, prendê-lo em Vila Viçosa e colocar D. Miguel no trono. Todavia o plano fracassou. Em Fevereiro de 1824 um dos conselheiros do rei foi assassinado em Salvaterra, mas sem mais consequências. 
Na Abrilada em 30 de Abril de 1824, D. Miguel fez reunir as tropas de Lisboa no Rossio. Na proclamação que então foi lida às tropas, referiam-se tentativas de assassínio da família real por parte dos liberais (pedreiros livres) e a necessidade de os destruir para alterar a situação e voltar à ordem. "Soldados! Se o dia 27 de Maio de 1823 raiou sobremaneira maravilhoso, não será menos o de 30 de Abril de 1824; antes um e outro irão tomar distinto lugar nas páginas da história lusitana; naquele deixei a capital para derrubar uma facção desorganizadora, salvando o trono e o excelso rei, a família real e a nação inteira, dando mais um exemplo de virtude à sagrada religião que professamos, como verdadeiro sustentáculo da realeza e da justiça; e neste farei triunfar a grande obra começada, dando-lhe segura estabilidade, esmagando de uma vez a pestilenta cá fila dos pedreiros livres, que aleivosamente projectava alçar a mortífera foice para acabar e de todo extinguir a reinante casa de Bragança. Soldados! 
Foi para este fim que vos chamei às armas, plenamente convencido da firmeza do vosso carácter, da vossa lealdade e do decidido amor pela causa do rei. Soldados! 
Sejais dignos de mim, que o infante D. Miguel, vosso comandante em chefe, o será de vós. Viva el-rei nosso senhor, viva a religião católica romana, viva a rainha fidelíssima, viva a real família, viva o brioso exército português, viva a nação, morram os malvados pedreiros livres." 
 A pretexto das tentativas para assassinar a família real, mandou que o rei fosse mantido no Palácio da Bemposta e ordenou que os seus conselheiros fossem presos, bem como alguns liberais moderados. Tudo isto levou a que alguns dos embaixadores estrangeiros tomassem medidas que permitissem libertar o rei. Desta forma conseguiram que ele se refugiasse num navio inglês ancorado no Tejo. Foi daí que D. João VI, com a situação já mais controlada, ordenou que D. Miguel e a rainha saíssem de Portugal. A 13 de Maio de 1824 o infante D. Miguel parte para o exílio em Viena, a pretexto de uma visita de estudo.
 A rainha primeiro pedindo para ser julgada e mais tarde dizendo que estava doente, acabou por não deixar o país. 
Para a vigiar e aos seus partidários, foi criada uma Polícia Secreta.
 A Regência e a Proclamação como Rei
 Nestes anos agitados, D. João VI procurou sempre não tomar medidas frontalmente contra absolutistas ou liberais para não criar mais problemas.
 No entanto a situação política era grave e mais uma tentativa fracassada de revolta ocorreu em 26 de Outubro de 1824. D. João VI morreu em 10 de Março de 1826, não sem antes ter decidido que a regência interina passasse para a sua filha infanta Isabel Maria e não para a rainha. 
Apesar de D. Pedro, que era imperador do Brasil e filho mais velho de D. João VI, ter sido aclamado rei de Portugal como D. Pedro IV, nem brasileiros, nem portugueses queriam a reunião das duas coroas e assim D. Pedro abdicou a favor de sua filha, Maria da Glória, que tinha então apenas 7 anos, na condição de ela casar com seu tio D. Miguel, ficando este como regente do reino até que a futura rainha tivesse 18 anos. 
 Entretanto e porque D. Pedro decretara uma amnistia e criara uma nova Carta Constitucional, os liberais gritavam vitória, enquanto os absolutistas pensavam que ao fim e ao cabo tudo tinha ficado na mesma. 
Assim, os absolutistas começaram por pôr em causa se D. Pedro alguma vez poderia ser rei, uma vez que traíra Portugal ao dar a independência ao Brasil e como tal, nessa situação, não poderia dar o trono à sua filha. Desta forma, só D. Miguel poderia ser rei. 
 Foi no meio de toda esta situação que D. Miguel regressou a Portugal, entrando em Lisboa a 22 de Fevereiro de 1828. A 26 de Fevereiro jura a Carta Constitucional e assume a regência. 
O ambiente que se vivia era muito conturbado e devido às pressões dos seus conselheiros e com alguns apoios do estrangeiro, dissolveu as Cortes e voltou a convocá-las mais tarde à maneira antiga. 
Foi assim que restaurou o absolutismo e foi proclamado como rei D. Miguel I, em Julho de 1828. 
 A proclamação de D. Miguel levou a que os países estrangeiros retirassem os seus embaixadores, mas em 1829 todos regressaram e reconheceram o novo rei, com excepção da Inglaterra, França e Áustria. 
Os liberais tentaram uma revolta militar que fracassou e o novo regime começou perseguições, prendendo e matando muitos dos liberais, tendo outros que fugir para o estrangeiro. 
No entanto, o governo do qual faziam parte alguns ministros pouco competentes, cometia muitos erros na sua política e a situação do país piorou ainda mais. 
 A Guerra Civil 
 Entretanto e vendo a situação, D. Pedro enviara D. Maria para Inglaterra, onde estavam exilados muitos dos liberais que tinham fugido do país.Com algum do dinheiro enviado do Brasil para os liberais exilados, foi organizada uma expedição que desembarcou na ilha Terceira, nos Açores, para se reunir a outros liberais que se tinham revoltado contra D. Miguel. 
 Os Absolutistas tentaram conquistar a ilha, mas acabaram por ser os liberais quem conquistou as restantes ilhas dos Açores. 
Mais tarde, D. Pedro que entretanto abdicara do trono do Brasil para seu filho, juntou-se aos outros liberais na Terceira e formando uma nova expedição desembarcou com as suas tropas perto do Porto, em 1832, tomando a cidade quase sem luta. 
Começava um período de 2 anos de guerra civil no Continente. 
 No princípio a guerra era mais favorável aos Absolutistas que tinham um exército de 80.000 homens contra cerca de 7.500 dos Liberais. 
Todavia a direcção das operações foi quase sempre dos Liberais, que lutando por um ideal novo e contando com os melhores advogados, médicos, cientistas, escritores e jovens oficiais da sociedade portuguesa, conseguiam compensar essa diferença conseguindo captar a simpatia de muita população.
 Lutavam além disso, por poderem viver na sua terra. Depois de alguma confusão inicial, os Absolutistas organizaram-se e foram cercar o Porto, num cerco que durou mais de um ano. Os Liberais, pretendendo retomar a iniciativa, decidiram atacar uma outra zona do país, de maneira a evitar que as as melhoras tropas dos Absolutistas estivessem todas no Porto. Assim, foi enviada uma pequena esquadra de navios que desembarcou no Algarve. Entretanto a frota Liberal derrotara a frota Absolutista e isso levou a que muitos dos soldados Absolutistas começassem a desertar. Com esta situação as tropas Liberais marcharam para Lisboa, onde derrotaram o exército miguelista e tomaram a cidade no dia seguinte. Perante esta situação, D. Miguel que estava com as suas melhores tropas no cerco do Porto, levantou o cerco e dirigiu-se para Lisboa para tentar reconquistar a capital. No entanto, encontrou pelo caminho, as tropas Liberais, que o venceram em diversos combates, dos quais os principais foram em Almoster e Asseiceira. 
Com todas estas derrotas e esgotados os recursos, só restava a D. Miguel render-se com as suas tropas. 
Esta rendição foi assinada e definida num documento conhecido como Concessão de Évora-Monte, assinado em 26 de Maio de 1834 que decretava entre outros aspectos: Amnistia geral de todos os crimes políticos; 
O regresso livre dos vencidos às respectivas casas; 
A posse de todas as suas fazendas e bens pessoais, mas não os podendo vender sem consentimento das Cortes;
 Teriam que ser entregues todas as armas; 
Eram mantidas aos oficiais as patentes que tinham em 1828 e o pagamento de metade dos soldos, desde que aceitassem a autoridade dos vencedores; 
Garantia-se aos funcionários civis e religiosos miguelistas, uma indemnização pela irradiação dos seus cargos; D. Miguel teria que se exilar no estrangeiro, não podendo regressar a Portugal ou qualquer nos seus domínios, recebendo uma pensão anual de 60 contos. Muitos dos Liberais não concordaram com os termos desta rendição e queriam que não houvesse qualquer generosidade com os vencidos. 
Foi assim que D. Pedro foi insultado e apupado no dia seguinte à assinatura da concessão de Évora-Monte, no Teatro S. Carlos, por liberais exaltados que não lhe perdoavam a forma branda como, no seu entender, foram tratados os absolutistas e principalmente D. Miguel. Fortemente escoltado até Sines, para que não fosse vítima de qualquer ataque, abandonou o país em 1 de Junho de 1834 com destino a Génova, na Itália. 
Ao chegar manifestou-se contra a concessão, repudiando a sua assinatura e perdeu o direito à pensão estipulada. 
 Afastado de todos os assuntos portugueses pouco mais restava a D. Miguel, que lhe permitisse sonhar com a possibilidade de voltar a reinar. Os tempos tinham mudado definitivamente. 
Casou em 1851 com Adelaide de Lowenstein-Wertheim-Rosenberg, da qual teve 7 filhos: Maria das Neves (1852-1941), Miguel (1853-1927), Maria Teresa (1855-1944), Maria José (1857-1943), Aldegundes (1858-1946) e Maria Antónia (1862-1959). 
 Faleceu na Áustria, em 14 de Novembro de 1866. 
O seu corpo regressou a Portugal em 1966.

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