DESCOBRIMENTOS: A EXPANSÃO PORTUGUESA
A CARREIRA DA ÍNDIA
Nos grandes navios de quatro mastros que em 1514 navegavam regularmente para a Índia surgiram pois muitas inovações técnicas. Por volta de 1500, os portugueses inventaram os turcos de ferro para manobra das âncoras. A partir de 1520 as popas passaram de redondas a quadradas, permitindo abrir portinholas para os guarda-lemes. Três anos depois surgiram as naus de costado liso a substituir o tradicional trincado, menos resistente. Os portugueses utilizaram pela primeira vez os pregos de ferro no fabrico das caravelas e naus e daí a possibilidade de fazerem costados lisos.
O tamanho das naus não parou de aumentar; dos 120 tonéis da “S. Gabriel” chegou-se à nau de mais de 2 mil toneladas e 110 peças, já no fim do Século XVIII. As últimas naus do tempo de D. Manuel I deslocavam 400 toneladas e atingiram as 900 toneladas durante o reinado de D. João III. Todavia, a ineficácia das naus excessivamente grandes era reconhecida, pelo que o Regimento de 1570,determinado por D. Sebastião, proibia naus da carreira da Índia com mais de 400 toneladas. Para iludir o regimento elevava-se os castelos da popa e da proa.
A nau típica da Carreira e das armadas de Albuquerque era em geral de 400 toneladas.
Antes do aparecimento dessa maravilha bélico-naval que foi o galeão português, as naus acompanhadas de algumas caravelas fundaram o primeiro império europeu na Ásia.
A guarnição tradicional de uma nau de 400 toneladas oscilava entre as 120 e as 168 almas, contando-se obrigatoriamente um capitão, um escrivão, dois pilotos, mestre de manobra das velas, contramestre, guardião, capelão, carpinteiro, calafate, tanoeiro, barbeiro que servia de cirurgião, meirinho, cozinheiro, dispenseiro e vários soldados e bombardeiros, além de marinheiros e grumetes.
A Nau de 550 a 800 tonéis é típica dos Séculos XVI e XVII. Tal como as suas antecessoras apresentava três cobertas, pelo menos. Na primeira jogava a artilharia; à ré localizava-se a tolda do capitão e os camarotes com janelas e, por vezes, varandins.
Na segunda coberta ficavam os lugares (mais tardes denominados beliches) da tripulação; na terceira estavam os paióis da pimenta e à popa os das drogas – escreveu Oliveira Martins em “Portugal nos Mares”.
À popa e à proa erguiam-se castelos artilhados com peças de menor calibre fundamentalmente anti-pessoal como os “berços” e os “falcões” com a particularidade de serem carregadas pela culatra, utilizando uma câmara móvel que lhe conferia um excelente ritmo de fogo acompanhado pela produção de muito fumo, pelo que estavam instaladas no exterior em especial nas balaustradas dos encastelamentos numa espécie de forquilha que permitia uma grande manobralidade e arco de fogo, disparando pelouros de pedra, revestidos ou não de chumbo ou de ferro.
De algum modo foram os antecessores de todas as armas modernas de fogo. Acrescente-se que os grandes canhões ou reparos das cobertas não permitiam fazer pontaria; a manobra do próprio navio é que servia para apontar reparos de duas rodas grandes cujo recuo era sustido por um forte sistema de cabos. A batalha era sempre travada com os navios em paralelo a dispararem uns contra os outros a distâncias um pouco superiores a 100 metros.
A vantagem dos portugueses no primeiro Século do Império relativamente aos navios de todos os outros países e nos seguintes relativamente às armadas de Oman, Cambraia, etc. consistia na excelência da construção.
Os portugueses foram os primeiros a utilizarem pregos para pregarem o tabuado do casco, enquanto o Norte da Europa utilizava cavilhas de madeira em tábua sobrepostas. Também a calafetagem portuguesa era de grande qualidade; as naus da Flandres usam uma só estopa e mal conseguiam chegar a Lisboa sem terem de ser carenadas e calafetadas de novo, enquanto as portugueses aguentavam bem os mais de seis meses de viagem até Cochim ou Goa, pois os portugueses e espanhóis foram os primeiros a utilizar chumbo nas costuras das naus e aplicavam, além da estopa, a pasta “galagala” constituída por cal virgem, estopa amassadas com azeite o que dava um betume que revestia o interior do forrado de duas tábuas.
Uma espécie do pladur dos nossos dias. Além disso, os mestre portugueses cobriam o costado de breu ou alcatrão. Para o obter queimavam-se pinheiros em fornos semelhantes aos da cal, deixando-se escorrer a resina para um depósito colocado no fundo do forno, um fosso onde era carbonizada a madeira. Ao resíduo pastoso obtido chamavam alcatrão que depois costumava ser cozido com vinagre coalhado que adquiria o nome de breu.
As opiniões variavam entre o que era melhor, o alcatrão ou o breu, mas eram estas pastas impermeabilizadoras que davam a tonalidade negra às naus lusitanas.
Claro, o melhor breu provinha da Alemanha ou do norte de Espanha, sendo o da Biscaia. Os pinheiros alemães davam a melhor resina para o efeito, mas os alemães quase não faziam naus. Segundo a historiadora Leonor Freire Costa, entre 1498 e 1505, Lisboa importou 4.778 barris de alcatrão e breu.
As naus portuguesas era calafetadas com estopa de linho ou cânhamo que, segundo o Padre Manuel de Oliveira, incha bem com a água e absorve o sebo.
Os velhos cabos das naus regressadas das Índias eram frequentemente desfiados em casa por mulheres pobres de Lisboa para fazer estopa.
Nas naus portuguesas, e não só, o lugar do capitão era o chapitéu e o grito de combate: “Jesus! S. Tomé!Ave-Maria!.
Sob a coberta, junto ao paiol estava o capitão de fogo a distribuir a pólvora que tirava às gamelas ou ensacada dos caldeirões defendidos do lume por colchas e cobertores molhados.
De 1497 a 1612, o Estado português armou para a Índia 806 naus, - diz-nos ainda Oliveira Martins. Desses navios, regressaram 425, arribaram 20, perderam-se 66, foram tomadas pelo inimigo 4, queimaram-se 6 e ficaram na Índia 285. Portanto, só cerca de 10% é que se perderam verdadeiramente, sem contar com as que ficaram na Índia e que tiveram destinos diversos, principalmente nos combates travados. As naus podiam com ventos muito favoráveis atingir velocidades de 8 a 10 nós, mas em média uma Armada da Índia fazia todo o percurso a uma média de 2,5 nós durante seis meses ou mais.
Os portugueses eram, sem dúvida, os melhores construtores de naus nos Século XVI e XVII, tendo algumas delas chegado a dobrar o Cão da Boa Esperança dezenas de vezes ao longo de vinte e cinco anos como aconteceu com a célebre “Chagas” que levou ao Índico quatro vice-reis. As “Décadas” de Diogo de Couto contam muitas das suas proezas, mas com muito exagero pois chga a falar em duzentas voltas pelo Cabo, o que só seria possível em mais de um Século de vida da nau.
Na realidade, o tempo de vida médio das naus do Século XVII variava entre três ou quatro anos.
As primeiras naus duraram mais como a “Circe” e a “Flor de La Mar”, já descrita neste blog.
O verdadeiro declínio na construção das naus verificou-se com a perda da independência com a dinastia dos Habsburgos que privatizaram a carreira da Índia com a formação da “Companhia das Índias”. Em 1631, a referida companhia despachou para a ìndia as naus “N. Senhora de Belém” e “N. Senhora do Rosário” tão mal construídas que não conseguiram dobrar o Cabo da Boa Esperança.
“Os interesses privados não eram capazes de prover as naus com mantimentos suficientes, nem sequer equipamento náutico”, queixou-se então amarguradamente o almirante António de Saldanha. Em 16636, a Companhia das Índias fechava por falência.
Publicado por Dieter Dellinger na REVISTA DE MARINHA Nr. 789 de Março de 1986.